Lost to Apathy

segunda-feira, setembro 26, 2005

Narcisus Narcosis b) Respiração e Renascimento

Via as paredes escuras, assombradas por fantasmas de outrora, enquanto estava sentado na cómoda poltrona de sempre. Enquanto me deleitava com a idade da solidão, ruminava os pensamentos que me exasperavam e destruíam a minha já desditosa mente.
Permaneci estático, num tempo interminável, até que inspirei fundo pela milésima vez, e fiquei imóvel esperando talvez voltar a ver, no reflexo do espelho, algo diferente daquela presença pálida e abjecta que me me era apresentada.
Mas foi então que as luzes se fecharam e eu, o pobre eu, o tolo eu, estava encurralado novamente.
A melancolia, essa, abateu-se e, dilacerante, assolou cada ínfimo pedaço do meu desígnio anémico, podre, praticamente dissoluto, inequivocamente convalescente, efectivamente morto.
Queimei o tempo, os sonhos, e vendi-os ao frívolo encantamento que em tempos prevaleceu sobre tudo e todos e sobretudo sobre mim.
-ACORDEI! - gritei mentalmente na esperança de iniciar o processo que levaria ao fim da dor amargurante que ocupava o coração ( Ou a falta dele. Mais a falta dele. Sempre a falta dele ).
Era tarde, porém.A espada já havia sido desembainhada, mais uma vez... tantas guerras e batalhas travadas pelo coração apenas conduziram á destruição deste, a melhor parte. Este belicismo inerente comoveu-me pela milésima vez e os meus olhos libertaram, uma vez mais, lágrimas de um silencio atroz e perpétuo (eu já não sabia gritar, nem lutar, nem morrer)
–CHIUUU!! Não grites, sussurra... – Dizia o meu cérebro, a Razão: razão de todo aquele sentimento. Os ouvidos dos outros não conseguiam ouvir à distância, a dissolução de um universo enquanto estes estavam sentados comodamente a alimentar a narcose de narciso, o ego.
Mas quem diria que seria a morte que me iria salvar? Os olhos impregnados de angústia deixaram de contemplar aquela miragem feérica que outrora parecia tão real, a sede de retaliação tomou conta de mim e desejei eliminar cada fracção daquela coisa imunda.
- APANHEI-TE! – gritei orgulhoso e iludido. Fui eu o apanhado, apercebi-me. Tentei correr, mas depressa percebi que já não havia nada a fazer senão desprender a espada e lutar para fazer prevalecer o meu direito de morrer novamente. Foi então percebi que eu amei o meu inimigo, o meu amor é o meu inimigo.
Todos sabiam que eu não poderia vencer e eu sabia que não sabia vencer.Então... afastei-me e escondi-me e adormeci outra vez na esperança que talvez um dia alguém mais forte do que eu me venha salvar. Até lá morro e sussurro, grito desesperado por vezes e penso nas batalhas que foram e serão e ainda nos momentos em que pensei que a luta estava ganha. O sonho ocupou-se de mim mais uma vez e estático permaneço assim até que o ódio volte a imperar novamente. Enquanto a cadencia no meu peito diminui, e diminui, e diminui... e desaparece.

terça-feira, setembro 13, 2005

Narcisus Narcosis a) Nascimento e Convalescença

Mais uma vez sentido.
Mais uma vez rendido a si mesmo. As palavras, como setas, atiradas violentas, prontas a atingir mortalmente.
Por ti, morro assim. Para ti novamente.
Contemplo a tua face, de novo, e não consigo encontrar nos teus olhos o brilho que me iluminava, que me ressuscitava, que me fazia viver.
Vou cortar o teu sorriso da minha mente. Vou. Sem pensar que podia ser diferente. Irei acreditar que não me amas e sentir no teu ódio, a vida. Vou fingir que nunca senti, que nunca quis. Vou dizer que nunca fiz, que nunca sonhei. Vou pensar que nunca existi. Vou dizer que menti sempre. Vou dizer-te que nunca vivi, que morri para sempre.
E eu prometo-te tudo.
Vais jurar que nunca começou, que não sentiste. Vou pensar que não voaste, que não quiseste, que não sentiste e jurar que morreste. Vou saber que quiseste, que não lutaste. Vou ficar como me deixaste. Vou esquecer o que prometeste, o que juraste porque só e apenas hoje cansei-me de mentir. Sentei-me, admiti finalmente que não sou nada, que não sei sentir. Impugnei os pensamentos, deixei-me ir. «Deixei de mentir…»
Acordar suspenso numa dor dilacerante no estômago tornou-se um hábito, um modo de vida, o reflexo da minha sobrevivência.
Percorro-me em medos, e de repente, vejo este sangue todo que me estagna a alma e me faz pensar que seria melhor não ter respirado. «Talvez apenas não devesse ter sentido...» Uma ténue esperança faz-me gritar em prol de algo que a faça ressuscitar.
- Meu Deus! Tanto Sangue!
Vejo-te partir mais uma vez com as armas do crime. «Mas como se não vi o ataque? Como aconteceu? Não pode ter acontecido... mas este... sangue...»
- Céus! – Exclamei enquanto meu peito enche-se de ar e vejo pedaços da minha existência partir: o “não” que deveria ser “sim”; o “sim” que deveria ser “nunca”; aquele “talvez” que fez desejar estar morto... E, de repente, está tudo tão próximo, como se todos os passos tivessem sido errados. Caem elas, as lágrimas soltas. Tristeza? Medo? Nojo? O tempo parece estagnar pois duram séculos este segundos de (mais) sofrimento.
A consciência desaparece à medida que o sangue flui e tento recuperar algo de bom entre as réstias de memórias que teimam em não me abandonar.
As sequelas dos ressentimentos tomam os meus pulmões de assalto, a dor passada transforma-se em sangue que conflui a cada parte do meu ser e se derrama, ultrapassa a minha medida. «Será mais do que eu posso aguentar?»
As perdas durante o caminho transfiguram-se em agonia à medida que a dor se transforma em libertação...
-Deus, tanto sangue, não consigo parar!! Será que isto é apenas um sonho ou será que acabei de acordar do sonho maldito a que me condenaste? - À medida que perco os sentidos, acalmo-me... Sinto a dor a desvanecer como se fosse tarde demais… E depois, grito com tudo o que pensava ainda ter: as palavras ecoam na sala onde ninguém parece assistir à minha supressão e, dissoluto, tento gritar um pouco mais, na vã esperança que me venham salvar.
Sinto-me a rebentar.
«Mas como pudeste? Eu pensei, ou melhor, eu queria que.. Merda! Estou a lembrar-me do teu olhar... como pudeste, eu prometi-te, dei-te tanto... eu... eu... como? Diz-me!!»
E tento gritar novamente, ninguém me ouve, um silencio ensurdecedor atravessa a sala...
- Não posso acreditar! Não quero acreditar... que...


Ao longe alguém ouve num sussurro agonizante inatingível, quase inaudível que o impede de discernir da própria voz...