Epifânia
Quando penso acerca de tudo, em tons de cinzento e violeta pinto os meus sonhos.Finjo, por alguns minutos, obliviar-me das repercussões que os sonetos, por mim dormidos, infligiam; era uma falácia a minha sensação de prazer auto-induzido e a correlativa força que impus ao pensamento que determinantemente me lacerava a pele era eu próprio vestido de tristeza.
Então envenenei-me com passado porque, secretamente quis adormecer magoado, para poder sonhar com a dor e não conseguir esconder-me dessa suposta verdade. Ingenuamente fui abraçando lembranças monocórdicas de modo a que estas me facultassem alguma sensatez, pois as minhas emoções assim o delineavam pois; são, entre outras manifestações, parte da morte que advém do meu desígnio autodestrutivo; uma abrupta necessidade de me elevar a ninguém e camuflar-me da moralidade, pois a minha demência justifica a interacção com a falta de contacto com o meu ego submisso. Assumo inequivocamente a necessidade de nunca pedir desculpas e jamais ter que perdoar alguém de modo a que nunca seja necessário justificar a minha patética índole sentimental.
Materializei as sensações puras que outrora ocupavam o meu membro cardíaco e, propositadamente, invoquei os fantasmas que justificam tudo o que acontece na minha existência.
Sou eu sim.
Sim eu sei, eu sou.
Reflicto-me em Nietzsche para filosoficamente justificando a minha índole racional.
A fera que há em nós precisa que se lhe minta; a moral é mentira forçada, para que não sejamos dilacerados por ela. Sem os erros, que se encontram nas suposições da moral, o homem teria permanecido animal. Assim, porém, tomou-se por algo de mais elevado e impôs-se leis mais severas. Tem, por isso, um ódio contra os estádios que permaneceram mais próximos da animalidade: donde se há-de explicar o antigo desprezo pelo escravo, como por um não-homem, como por uma coisa.
Respira, aspira ser algo. Coragem.
E Schopenhauer refere:
É preciso dominar a impressão produzida pelo que é visível e presente; tal impressão tem uma força extraordinária se for confrontada com o que é meramente pensado e sabido, não em virtude de sua matéria e seu conteúdo, frequentemente insignificantes, mas da sua forma, da clareza e do imediatismo por meio dos quais ela se impõe ao espírito, perturbando a sua paz ou até mesmo fazendo vacilar os seus propósitos. É assim que algo agradável, ao qual renunciamos depois de reflectir, nos estimula quando o temos diante dos olhos; assim nos magoa um julgamento cuja incompetência é do nosso conhecimento, irrita-nos uma ofensa cujo carácter desprezível compreendemos; da mesma maneira, dez razões contra a existência de um perigo são sobrepujadas pela falsa aparência da sua real presença etc.
(...) Quando todos os que nos circundam têm uma opinião diferente da nossa e se comportam em conformidade com ela, é difícil não ficarmos abalados, por mais que estejamos convencidos do erro dessas pessoas. Pois o que é presente, o visível, por estar facilmente ao alcance da vista, age sempre com toda a sua força; em contrapartida, pensamentos e causas requerem tempo e calma para serem analisados com cuidado, razão pela qual não podemos tê-los presentes a todo o instante. Para um rei fugitivo, que viaja incógnito, o cerimonial de submissão do seu fiel acompanhante, observado apenas por ambos, representa um fortalecimento quase necessário para que ele, no final, não duvide de si mesmo.
Por conseguinte, o conhecimento intuitivo, que se impõe a cada instante e atribui uma importância e um significado desproporcionais ao que é insignificante mas presente, constitui uma perturbação e uma falsificação constantes do sistema dos nossos pensamentos; do mesmo modo como, inversamente, no caso de trabalhos físicos (como já mostrei no Mundo), o pensamento representa uma interferência na compreensão puramente intuitiva.
E assim fundamentei-me em palavras, justifico aquilo que sou e prometo-me a coerência. Iluminei-me, legitimei-me. Sim, eu posso assim existir.