Lost to Apathy

segunda-feira, maio 15, 2006

Personal Jesus

Comecei por ser eu próprio à espera de me transformar em outra coisa qualquer. Pintar-me de cores diferenteS, enaltecer-me como um Lúcifer, o anjo com as asas partidas. Criei-me e defini-me. Transformei-me e alimentei um vazio inócuo... olhava-me no espelho, mas eu era sempre eu.

Omega, o mega estarrecido. O descompreendido portador de uma obsoleta luz.

Usei todas as palavras possíveis para incutir um certo perdão em toda a insensatez do meu pensamento. Iluminei-te sempre, mas perdi-me na complexidade daquilo que queria que entendesses. Era eu quem te guiava sabes...
Mas de repente disseste que não, não era nada... “não vale a pena. Tu não és isso!” - exclamaste, só porque foi mais fácil simplesmente não acreditar. Então eu segui a minha promessa e encerrei-me em mim mesmo. Remeti-te às palavras que nunca vais entender, só porque eu não vou querer ter que te explicar.
Deixei-te livre para seres todo o nada para onde caminhavas sabendo que só eu padecrei dos remorsos das tuas próprias falhas até que a redenção me tome outra vez, me ilumine com o fogo e me deixe voltar sonhar.

O teu próprio redentor espera-te.

Alguém que lambe as tuas feridas e assume as tuas dores. Recupera o teu espírito e putrefaz-se no caminho para a tua libertação. Unto-me de pecados para o perdão chegar a ti. Enegreço-me com a minha escuridão para estar mais próximo de ti. Finalmente, dissoluto, despurifico-me na esperança que possas finalmente entender. E as metáforas vão longe demais porque ninguém abraça a minha verdade, pois a displicência da racionalidade não aceitou o imperativo da Beleza. E quando o verosímel desaparece fica apenas o rasto daquilo que és e daquilo que eu disse, mas a sapiência que permanece como justificativa de acção-reacção é tudo aquilo que nunca pudeste ou quererás entender.

Mais próximo da minha consciência e de todos os pecados ambíguos posso finalmente exclamar um cansado FIM.









O Imperador do reino doloroso erguia o peito para fora do congelador. Eu, com minha estatura, mais próximo estou de um gigante do que um gigante comparado com o braço, apenas, de Lúcifer. Imagine, pois, leitor, quão grande será Lúcifer, se calculado pelo tamanho de seus braços. Se um dia foi belo, quanto é hoje horrendo; se contra seu Criador alçou a fronte, bem entendo seja ele a fonte única do mal que o mundo inteiro chora. Nem sei como diga a estupefacção que em mim causou o haver-me aparecido. De três faces era sua cabeça. Era vermelha (a indicar o ódio que o move) a face que eu via de frente; as outras duas repousam, cada uma, sobre largo ombro, mas lá em cima, no alto crânio, formavam três um só conjunto. A face da direita estava entre o branco e o amarelo; a da esquerda lembrava a cor que amorena a gente nascida e afeita à terra onde o Nilo tem seu curso. Sob cada face, duas asas vastas quando convém a um ser de modo volátil e mau. Velas tão grandes não vi jamais em nau de alto mar. Não tinham penas, e mais lembravam aquelas asas próprias dos morcegos. Continuamente agitadas, produziam os três ventos gélidos que mantém o Cócito enregelado. Pelos seis olhos, chorava; por três peitos escorriam suas lágrimas, pranto feito de sangue e espuma. Em cada boca triturava um pecador, qual moinho a esmagar o grão. Ao condenado que na boca fronteira a mim atormentava, acrescentava-se um outro sofrimento, pois com as garras, em fúria constante, Lúcifer por inteiro lhe arrancava a pele. (Dante Alighieri)