Fechadura
Como o de uma cadela, o teu amor por mim é latentemorde-me o espírito
Queres-me? – questionas rendida
Com os olhos cerrados digo-te que não outra vez
conto-te os meus sonhos como consolação
(Não chores)
Digo-te não mais vezes sem conta
mesmo querendo-te a cada segundo que passa
não existe em mim significado para ti
(ou para o que dizes que pensas que sentes)
Como a morte que me abalroa
espero parvamente que a meu espírito inquieto se canse
Sempre conheci a sintaxe das palavras
Sempre se escondeu de mim a morfologia dos sentimentos
Sempre tive medo de morrer,
de me dissipar com as cinzas do cigarro que agora consumo
mas o fumo que exalo prova que estou farto da vida
ou de estar vivo
nunca te disse
mais do que aquilo que pensei que fosse por momentos suficiente
nunca te conheci
nunca me apeteceu
(apenas percebi que eras igual a todas as outras)
fui teu
apenas o tempo em que te quis
mesmo quando a distância entre nós se media em beijos
oco e frio,
como a madeira em que te deitei algumas vezes
sou
(pensei que tivesses sentido no meu toque a calmaria do gelo)
do que era e fui já não há rasto
é-me óbvio
eu nunca existi
De qualquer das formas,
Pensei em tatuar, no meu corpo, a data da tua morte
Mas as minhas falhas, todas elas, são ainda em si, uma cicatriz aberta
Nunca te confessei nada
(Sempre o fiz de propósito?)
Nunca te dei sequer um pedaço de mim
Demasiado orgulhoso para sequer querer ser perdoado
(Mas também não preciso do teu perdão)
como as palavras que eu nunca te disse
juro que nunca amei
com a mesma veemência que juro que não te estou a mentir
De poesia adorno o meu vazio
numa estrofe canto o amor que eu nunca senti
o meu melhor verso esse, fica preso dentre mim
bem no centro daquilo que eu sou
como um livro fechado
numa língua em que algures jaz a resposta
Do verdadeiro perdido para apatia
só para ti, hoje especialmente, e particularmente para sempre
(Hoje vinguei-me do mundo outra vez)