Lost to Apathy

segunda-feira, abril 23, 2007

Borboletas Amarelas




Uma vez, quando ainda andava na escola da vida, fui inocente e apaixonei-me por uma flor.
Era quase Primavera em todo lado menos em mim quando reparei que gostava dela há já algum tempo.
Bateu-me na alma de tal forma, a paixão, que pensava nela todos e alguns momentos.
Dormia com ela a segurar os meus sonhos e acordava com ela a carregar a minha consciência.
Dei por mim tão embrenhado nas suas pétalas que quando comecei a considerar que talvez fosse impressão minha, fiquei com a sensação que ela também gostava de mim. Talvez pudéssemos ir a praia apanhar mexilhão, comer pipocas de caramelo no cinema, ouvir as musicas românticas que os românticos ouvem e que os outros que não são românticos também ouvem, mas sem o romantismo dos românticos. De certeza que lhe dava o último cheeto do pacote. Iamos ao cinema e ela podia poder sempre escolher o filme.
Resumindo, gostava dela mesmo nos dias em que havia demasiado para fazer sem ser pensar por pensar.
E dessa forma gostei dela numerosos dias em que não sabia o que fazer, até porque gostava quando gostava e também quando não me apetecia gostar.
Falhava-me porém, sempre a coragem na altura de me declarar.
Às vezes, ela olhava-me com silêncio, à espera, mas nunca nada de especial aconteceu, sem ser nos momentos em que eu pensava nela.
Houve mesmo alturas em que pensei dizer-lhe tudo e confessar a minha paixão.
«Quero pintar o amor nos teus lábios. Quero regar-te de alegria, podar as tuas fraquezas. Só não digas a ninguém que quem roubou o Sol fui eu, porque a ti só te pode tocar o brilho da lua» - Imaginava-me a sussurrar estas palavras aos ouvidos enquanto ela se derretia de atenção. Agarrava-lhe as mãos frágeis e olhava-lhe nos olhos enquanto os lábios dela ensinavam os meus a serem felizes. Depois, sem pedir autorização, as bochechas dela iam ficando vermelhas, iguais às minhas como se tivéssemos vergonha de sermos nossos.
Contudo, a verdade é que umas vezes tinha medo que dissesse que não, outras vezes tinha medo que dissesse que sim ou talvez.
Tinha medo tantas ocasiões que a maior parte delas fugia-me a fala ficando eu entregue ao silêncio do embaraço.
Nisto, contaram-se mil e tal, as vezes que eu não tive coragem para dizer que simpatizava com ela até que um dia acho que meia chance apareceu e eu pude dizer o que queria dizer e que já há muito deveria ter sido dito mas não foi.
Mandei um SMS mas rapidamente lamentei não me ter lembrado de algo que não fosse tão estúpido dizer, contudo, talvez por receio de não dizer nada, disse-o na mesma.
«Olha, acho que estou a gostar de ti. Bjs*»
«Eu tenho namorado.» – respondeu ela.
Acrescentou ainda que ele era o tal e tal. Era isto, aquilo e tudo.
«Perfeito» - dizia ela.
Eu não.
Acho que para ela não devia ser.
Não fiquei chateado por ouvir aquilo, fiquei triste por não ser eu.
Os meus amigos diziam para deixar estar: «Há muitas flores e Primaveras.»
«Mas de pétalas assim tão belas?» – perguntava eu.
«Como tudo na vida, até a beleza é uma questão de tempo» - diziam eles.
Mesmo assim andava por aí chateado.
Um dia manifestou-se em mim tal raiva por aquilo tudo que decidi deixar de gostar dela e fiz do silêncio o meu protesto.
Demorou algum tempo até ela desabrochar para mim outra vez.
«Tudo bem?» - dizia a SMS.
Consegui resistir algum tempo, à tentação de responder, só que quando dei por mim já via no display «Mensagem Enviada».
Embora alguma razão me assistisse não posso dizer com franqueza que achasse que ela estava a agir mal, mas mesmo assim não pude evitar entorpecer o meu coração para com ela.
«Tudo bem?» - outra mensagem. Desta vez demorei mais tempo a responder.
«Ao menos pus menos caracteres» - comprazia-me.
Então, quando já não moía os meus pensamentos com a voluptuosidade de antes, quase me esqueci dela.
Andava por aí à balda a tentar fazer de mim um pouco pior.
Até que um dia ela me disse que não era feliz.
«Falta qualquer coisa» - li relutante na enésima SMS.
A questão é que daquela vez não respondi.
«É normal?» - perguntava ela.
Até que era. Pelo menos para mim.
Acho que já nem conseguia ficar desapontado.
«Bastava apenas teres sussurrado que sim» - pensei em dizer-lhe. Mas achei que a altura de ela, por mim, ser colhida já tinha expirado.
Não fiz, não quis, não sei.
«Não dava» - justificava-me a quem de direito.
Só sei que gostava dela, porque só a sabia fazer florescer para mim.
Mas talvez por ela poder florir tão bela, achei conveniente não a apanhar
«Há muitas flores e Primaveras.» - lembrei-me - «Mas não daquelas que eu queria»
E foi assim que aconteceu. Quase que foi bela a história que eu conto e que nunca começou. Só que fiquei descansado quando reli porque certamente ninguém vai saber como acabar.

Para a flor, a maior que eu conheço.