Hatshepsut b) Livro de Seth
O limbo entre o perigo e a felicidade, ónus do contentamento, aparecia calmamente, mas sufocante. Poderia renunciar a seu irmão para, a seus braços, recolher o coração de um outro alguém? Mas aquele toque enfermo deliciava seu corpo árido lembrando a si que o corpo ordena, mas não pensa. Juras eternas fluíam como um rio, ninguém questionava a perenidade das mesmas, embora o encantamento não fosse imortal agiram como nada disso interessasse...Completamente, seus corpos amaram-se.
Amaram-se no tempo que pareceu ser para sempre...
Interlúdio
Assim o julgou Ísis, deusa do amor entre a Terra e o Céu, que se comprazia com cruel alegria a subjugar ferreamente, diferentes formas e almas. Mas o devaneio de dois corações nada diz a quem um não possui. Filho de nada, morto à nascença, uma cominação surge do escuro. Carregado como um céu nublado que preparava sua tempestade. Já seu nada coração minguou até buraco se tornar. Que se passava? Que se passava? Ainda não havia provado o fruto do amor, mas sabia já o quão amargo era. Ramsés. Terceiro da sua geração, filho de seu tio. As novidades voam longe como as mentes apaixonadas, são tão rápidas, tão mortíferas que não podem estar erradas...
-Mas quem ousa? Mas quem é? Retiram o mundo de meus pés. Invadem minha casa, minha cama e levam a esposa que me ama. Feitiçaria... por certo, juro o que sei estar correcto. Os deuses já me abandonaram. Oh que brado aos céus minha dor, ciente que nada fiz para merecê-la! Serei escravo deste ardor sabendo a sorte que me espera. Mil pesadelos, sentirei, enfim, assolando minha alma. Não por ela, não por mim, mas por aquele que me resvala. Alguém tem que pagar!
Fim do Interlúdio
Noutro mundo almas fundem-se numa só, transformam-se em éter serenamente num imbróglio de dilecção. Paixão, Furor. Um ópio de emoções torna emoção em psicoses, psicoses em sensações, fragilidade em sentimentos. Ele cresce a cada segundo.
- Agora que sou teu, minha alma repousa em teus braços. Injustamente feliz, recolho os despojos de minha vitória. Minha honra não tem espaço aqui, neste mundo tão teu... Sou eu um o vencedor dos vencidos, um demónio no paraíso.
- Mas querido amante... Temo pelas consequências de nossos actos. O Sol não irá perdoar tamanha traição, serão as flechadas o nosso fim? Ou a imortalidade o nosso destino.
-Tamanha duvida não conquista a minha atenção... para quê perdão, quando o único crime terá sido amar-te?
Uma névoa descomunal atravessava a planície. Olhando à volta, o mundo tinha a distância de um simples metro. De entre a bruma apenas saltavam ténues cores que remetiam a algo parecido com a realidade: a mente de Senmut.
No espírito de Hatschepsut aquelas horas de loucura pareciam uma condenação, a inquietação proliferava mais do que os prazeres da carne. Sentia-se culpada. Vítima e criminosa. Os seus esforços intensos da conquista do trono de faraó remeteram-na a um Inverno de tristeza, e a Primavera de sensações que experimentara ameaçava levá-la ao esquecimento eterno a que tentava desesperadamente escapar. Poderia o amor suportar aquele peso? A Faraó, uma deusa na terra. Demasiado poder. Poder Absoluto...
- Surgiu Luz-
No manto de penumbra surge Ramsés, arrastando-se agarrado às paredes justificando o seu vazio absoluto e a sua podridão interior. Afastou-se para seus aposentos calmamente e avassaladoramente inquieto; moveu a triste porta, demasiado pesada, e acomodou-se em sua esteira. Os pensamentos derrubavam-no como socos veementemente mais fortes que a sua falta de espírito.
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